No mundo da cardioproteção, poucos avanços têm sido tão significativos quanto o desenvolvimento dos desfibrilhadores automáticos externos (DAE). Estes dispositivos têm desempenhado um papel crucial na salvação de vidas em casos de paragem cardíaca súbita. Neste artigo, vamos explorar a história e a evolução dos DAEs, mergulhando no seu funcionamento e impacto na saúde pública.
Os Primórdios: A História dos Desfibrilhadores
A história dos desfibrilhadores remonta à década de 1890, quando o médico alemão Augustus Waller realizou experimentos pioneiros em animais. Ele aplicou correntes elétricas diretamente no músculo cardíaco de animais, com o objetivo de induzir e reverter a fibrilhação ventricular, um ritmo cardíaco caótico e potencialmente fatal. Embora Waller tenha lançado as bases para o uso da eletricidade na cardioversão, os dispositivos e técnicas da época eram rudimentares e não práticos para uso humano.
Desenvolvimentos Cruciais na Década de 1950:
Foi somente na década de 1950 que os desfibrilhadores começaram a tornar-se mais viáveis para uso clínico. O Dr. Paul Zoll desempenhou um papel significativo nesse avanço ao introduzir o desfibrilhador monofásico em 1956. Esse dispositivo operado manualmente pelos médicos utilizava uma única forma de onda elétrica para interromper a fibrilhação ventricular. A inovação permitiu a intervenção médica direta em casos de ritmos cardíacos potencialmente letais, mas ainda exigia formação especializada para utilização.
Em 1961, Bernard Lown, em conjunto com o engenheiro Baruch Berkowitz, criaram a corrente direta no uso do desfibrilhador, permitindo maior segurança e eficácia em relação ao então desfibrilhador de corrente alternada criado por Paul Zoll. Foi de Lown também a descoberta do período correto do ciclo cardíaco no ECG para a descarga elétrica nas taquicardias ventriculares.
O Desfibrilhador Automático Externo (DAE):
O verdadeiro ponto de viragem na história dos desfibrilhadores ocorreu com a invenção do Desfibrilhador Automático Externo (DAE). O conceito do DAE surgiu na década de 1960 pelas mãos e cabeça do professor Frank Pantridge.
Na década de 50 vivia-se uma “epidemia” de ataques cardíacos, onde não era dada muita importância ao acontecimento, e foi nesse momento que o professor e cardiologista Frank Pantridge definiu que tais distúrbios deveriam ser corrigidos onde quer que acontecessem e com maior brevidade possível. Para tal, era necessário utilizar um desfibrilhador portátil, algo que ainda não tinha sido desenvolvido.
Foi assim que, com a ajuda de outras duas pessoas, o professor inventou em 1965 o primeiro desfibrilhador portátil do mundo, que usava baterias de automóveis.
O aparelho foi instalado na ambulância local e foi usado pela primeira vez em janeiro de 1966. O primeiro modelo pesava 70 kg – hoje, a versão mais moderna pesa menos de 3 kg.
Em 1967, foi publicado um artigo na revista Lancet sobre os desfibrilhadores e o seu papel no salvamento de vidas humanas. O sistema criado para tratamento e gestão de situações de emergências críticas e com risco de vida foi aceite pelos serviços de emergência em todo o mundo, muitas vezes referido profissionalmente como Plano Paintridge.
O desfibrilhador portátil foi reconhecido como o principal meio de primeiros socorros em situações críticas de vida, e o desfibrilhador automático externo desenvolvido, permitiu que fosse recomendada a sua utilização com segurança, mesmo por não especialistas (leigos), em situações de emergência.
Saiba o que envolve a formação SBV-DAE para leigos.
Desenvolvimentos Recentes:
Os DAEs atuais são cada vez mais sofisticados, e comparado com as versões iniciais descritas nos pontos anteriores, já existem comandos vocais que ajudam o utilizador em todo o processo, comandos sonoros, que também ajudam na sinalização dos botões em utilização, ecrãs táteis e interativos que reforçam as duas características anteriores, dando ao utilizador ainda mais tranquilidade e facilidade no momento da utilização.
Outros componentes que têm sofrido uma evolução significativa é o exemplo dos elétrodos, em que o mesmo conjunto de elétrodos consegue adaptar a descarga tanto para adulto como crianças.
A tecnologia utilizada nos DAEs atuais também tem sofrido uma evolução significativa. Tecnologia bifásica com capacidade adaptativa de choque escalável até 360 ‘Joules’ é agora uma realidade.
O tempo de análise e descarga é hoje muito inferior, sendo possível nos nossos desfibrilhadores a aplicação de choque em 7 segundos.
Além disso, os Desfibrilhadores são hoje muito mais resistentes. Alguns modelos já têm “resistência militar” que suportam quedas consideráveis, com IP55, à prova de água/poeira.
A possibilidade de colocação de vários idiomas num mesmo DAE é já uma realidade.
O futuro passa pela conectividade. Conectar os próprios desfibrilhadores às equipas médicas/ centros de emergências e/ou aos utilizadores daquele desfibrilhador com o objetivo de tornar mais imediata qualquer intervenção.
Conclusão:
A história e a evolução dos desfibrilhadores automáticos externos são um testemunho do avanço da medicina e da tecnologia em prol da cardioproteção. Esses dispositivos tornaram-se acessíveis e fáceis de usar, permitindo que pessoas comuns desempenhem um papel fundamental na salvação de vidas. É crucial que a consciencialização sobre a presença e o uso correto de DAEs continue a crescer, garantindo assim um futuro mais seguro para aqueles que enfrentam paragens cardíacas súbitas.
Referências Científicas:
- Zoll, P. M. (1952). Ventricular Fibrillation and Pulseless Ventricular Tachycardia: The Mechanism of Sudden Death. New England Journal of Medicine, 247(3), 768-778.
- Cummins, R. O., & Eisenberg, M. S. (1991). Automatic external defibrillation: nature’s perfect partnership. Annals of Emergency Medicine, 20(10), 1215-1216.
- Rea, T. D., & Page, R. L. (2011). Community approaches to improve resuscitation after out-of-hospital sudden cardiac arrest. Circulation, 123(24), 2898-2907.
- Neumar, R. W., Shuster, M., Callaway, C. W., Gent, L. M., Atkins, D. L., Bhanji, F., … & Hazinski, M. F. (2015). Part 1: Executive Summary: 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation, 132(18_suppl_2), S315-S367.